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Livrarias independentes são as protagonistas de suas próprias histórias

Pequenos empreendedores investem seu amor pelos livros e se tornam 

fundamentais para o mercado editorial durante crise

Por Ana Milena Rocha

Quando se fala de livrarias, as primeiras imagens que vão surgindo em nossas mentes são as megastores como a Saraiva, Livraria Cultura ou até mesmo a Fnac. Esses grandes nomes estão passando por uma grande crise financeira e vários pontos físicos dessas livrarias estão fechando. Mas elas não são as únicas que preenchem as cidades com seus catálogos. Os pequenos estabelecimentos estão sendo essenciais nos últimos anos para a manutenção do mercado editorial nacional, principalmente nesse cenário pessimista que o meio vive.


Apesar de ainda não haver estatísticas exatas sobre o aumento das livrarias independentes, é possível notar um aumento na presença desses estabelecimentos em grandes centros urbanos. De acordo com Bernardo Gurbanov, livreiro e presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), em entrevista para o Terra, o setor editorial já sabia que pequenas empresas altamente especializadas sobreviveriam com mais facilidade às mudanças do mercado editorial desde os anos 80. Porém, apenas hoje esse cenário é perceptível.


Fábio Brito, Eduardo Ribeiro e Ivan Costa sempre tiveram a vontade de abrir uma livraria, mas por questões financeiras esse sonho sempre pareceu distante, porém em outubro de 2020 surgiu a oportunidade de abrir uma loja dentro da Casa Omolokum, na cidade do Rio de Janeiro. O trio fez um financiamento coletivo que foi abraçado pelo público e conseguiram abrir sua primeira loja. Em maio deste ano, a Livraria Casa da Árvore criou mais um tronco na Tijuca. 


Ainda na região Sudeste, na cidade de Belo Horizonte, a livraria e Editora Scriptum abriu suas portas em 1997, tendo o professor de história Welbert Belfort como um de seus fundadores. Em São Paulo, a Banca Tatuí surgiu em 2014 e a Sala Tatuí (uma vertente do mesmo projeto) em 2018, localizadas na Rua Barão Tatuí, ambas foram fundadas pelo jornalista João Varella.

 

Livrarias de bairro podem ter algo que as megastores não oferecem: um atendimento humanizado e um catálogo com gêneros literários específicos. Cada livraria tem sua própria identidade, o que torna a experiência única para os visitantes.

O profissional que vende livros.

Traduzido do inglês, “Mega loja”. Refere-se às lojas de grande porte, como as de departamento.

Transcrição do áudio

Trabalhar bem todos os segmentos tendo uma livraria de um porte pequeno, médio, é impossível. Você vai gastar uma energia muito grande, além de tudo vai gastar um dinheiro que você não vai conseguir vender. Porque as grandes empresas trabalham com um chamariz de desconto, quase o desconto que eu tenho ou de vez em quando ultrapassa para chamar a atenção para as pessoas começarem a frequentar, olham ali, depois compram outras coisas. Isso funciona em quase todos os mercados, então é quase impossível você, com quase vinte e quatro anos, eu nunca fiquei preso a uma clientela exclusivamente de Belo Horizonte nem de Minas Gerais. Então… para você poder trabalhar e ter um retorno, você tem que fazer algumas opções. E, se possível, dedicar, prestar atenção, aí você vai atrair, seja um público ou seja os outros outros escritores que sabem que podem ficar perdidos nas grandes redes ou então não vai ter o destaque que merece em determinadas plataformas.

Todas elas têm sua peculiaridade para agradar diferentes tipos de públicos com seu segmento: a Livraria Casa da Árvore trabalha com literatura negra, livros de religião de matrizes africanas, ciências humanas e sociais. Já a Banca Tatuí explora questões gráficas, materialidade da publicação, não se prendendo só de livros, mas também zines, pôsteres, revistas e outros tipos de impressos. A Livraria Scriptum começou com poesias, mas depois incluiu livros de design, literatura brasileira e estrangeira (espanhol e francês) e foi até para psicanálise, que é uma área forte da livraria e editora. 


“A livraria não pode ser só um ponto de vendas e sim um ponto de encontros, onde as vidas se cruzam e criam histórias”, afirma Fábio Brito sobre o ponto físico que, para os três livreiros, continua sendo importante pelas sensações que só uma livraria pode proporcionar a um leitor que gosta de ter contato e a visão consumida por livros.


Mas o mercado se torna competitivo quando empresas oferecem preços muito abaixo da média (como a Amazon, por exemplo) e por consequência, elas ditam quais são as tendências, o que se torna o principal empecilho para o mercado segmentado. Devemos lembrar que o brasileiro não é um leitor ávido, tendo a média de apenas 2,5 livros por ano, segundo levantamento do Instituto Pró-Livro. O que mostra que é um problema não só do mercado, mas que está estruturado no hábito de leitura de boa parte da população.

Transcrição do áudio

Nosso sistema educacional é precário e que, ao invés de atrair leitores, afasta. Então, elas passam por uma questão estrutural forte. Com 220 milhões de habitantes, percapitamente, nós estamos distantes de vários países historicamente, em questão de publicação e livrarias. Então você tem um público reduzido, você tem uma dificuldade de... é um mercado que não tem regras, à princípio tem regras. [...] agora com os marketplaces e tal, eu tenho um negócio, se eu ver lá a própria editora, grupos e nomes vendendo na maior marca online, ou seja, eles estão matando a própria livraria. O distribuidor que eu compro dele, está lá vendendo nessa marca, ou seja, é por isso que eu falo, porque no mercado financeiro eu tinha mais regras e regras realmente mais civilizadas e civilizatórias que a questão do livro. Eu já não vejo mais muita possibilidade, se não tiver uma regulação de existência futura de livraria e desse mercado. E o que aconteceu bastante, eu já tinha falado sobre isso, as grandes redes, elas começam em uma certa forma a ditar o que as editoras devem editar, colocar no mercado. Porque a roda deles tem que girar rápido, entendeu? Ela girando rápido, muitas editoras, para atender essa roda, eles perderam várias partes dos critérios, das formas do mercado do livro, de chegar, de estar exposto, ou seja, por isso que muitas livrarias fecham. Não tem a capacidade de concorrer. 
Então, assim, as próprias atitudes, seja das editoras em não ter uma regra. Por que na Argentina ou Chile você entra em uma livraria e tem uma livraria só sobre um tema? Porque tem uma questão cultural, as pessoas vão à livraria, entendeu?

Durante a quarentena, mais um desafio, pois esses estabelecimentos tiveram que fechar suas portas por conta das medidas protetivas, mas os fiéis consumidores foram atrás das livrarias e, então, surge uma nova via para esse mercado. “Eu ampliei a parte das vendas do e-commerce, coloquei muito mais coisas, consegui criar estratégias de que nesse tempo todo tenho muita coisa que são raridades, ou seja, que vi que têm um mercado para isso mesmo com que elas trabalhem com o e-commerce”, relata Welbert Belfort, sobre como se adaptou durante esse período.


Esse meio de vendas aproximou leitores não só do bairro onde se localizam essas livrarias, mas pode chegar a tomar uma proporção até nacional. Sendo uma nova ferramenta que pode potencializar a força dessas livrarias, usando as redes sociais como uma forma de ficar em contato com o seu público alvo. Por outro lado, o trabalho dessas pequenas equipes dobram, necessitando de mais dedicação.

Comércio virtual, como um site de compras, por exemplo.

Transcrição do áudio

O boca a boca é uma ótima estratégia, mas são várias que podem ser empregadas, né? Redes sociais, por exemplo. Claro que, no final das contas, um “fazer” desse ponto cultural ser relevante, interessante, é o que mais conta, no final das contas. Não adianta fugir muito, ficar ilustrando, divulgar, fazer anúncio… se não for bom, não vai para frente.

Apesar da distância entre o leitor e o livreiro, a conexão entre esses dois lados continua. Em comparativo as megastores, que têm o atendimento de forma mais "robótica", nas pequenas livrarias existe uma troca de conhecimento que acaba criando laços. “A gente já conhece alguns clientes por nome, já sabe as preferências e tudo, então acaba gerando uma relação não puramente comercial, mas também de troca, de indicações, de ter retornos bem verdadeiros deles, é muito legal, acaba gerando uma relação de amizade, no final das contas”, observa João Varella.

 

Expectativas para o próximo capítulo


A Associação Nacional de Livrarias fez um levantamento de quantas lojas de livro existem em território brasileiro e chegou ao número de 2.200. Parte desse mercado está nas mãos de pequenos empreendedores como o Fábio Brito, João Varella e Welbert Belfort, que não tiveram medo da crise e abriram suas livrarias. Todos eles precisam lidar com a instabilidade desse mercado, se reinventar em situações como a da pandemia, promover e cuidar do seu ponto físico, participar de eventos e ficar atentos não só às tendências gerais, mas se questionarem se determinada obra e autor tem algo para agregar ao seu acervo de suas livrarias. É um trabalho árduo que requer esforço desses empresários, além dos fatores financeiros, que é algo fundamental para não fecharem as portas.

Conjunto de materiais que compõem o patrimônio de um indivíduo, como uma quantidade de livros registrados em uma biblioteca, por exemplo.

Transcrição do áudio

Podem porque é um negócio como outro qualquer e, se for bem, acaba expandindo, é uma questão de faturamento, lucratividade, desempenho financeiro e vontade de querer fazer como as megastores fizeram. Se quiserem, a oportunidade tá aí, eu tenho certeza que os shoppings alugam para quem estiver disposto a pagar o aluguel.

Apesar dos desafios, todos eles têm o objetivo de levar histórias e cultura para os seus bairros. No final da história, esses estabelecimentos são um ponto de encontro entre pessoas que gostam de estar em contato com os livros físicos e querem ter um ambiente no qual se sintam imersas com essas obras. Em um momento delicado, onde o próximo capítulo para os nossos mocinhos parece incerto, as livrarias irão continuar resistindo e conquistando o seu próprio espaço no mercado.

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