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A representatividade nas páginas

Personagens LGBTQIA+ levantam debate sobre homofobia em nossa sociedade e reforçam a necessidade de inclusão

Por Ana Milena Rocha e Ícaro Santos.

A literatura serve como objeto de estudo para entender a realidade na qual cada sociedade está inserida. Portanto, é de se esperar que ao ler livros nacionais, seja possível encontrar histórias que abordem as diversidades que fazem parte do território brasileiro. Mas, algumas minorias não se encontravam nessas páginas, como é o caso da comunidade LGBTQIA+.


Foi assim que surgiu a ideia de criar a editora independente, História para Meninas (HPM). Concebida em 2012, pela publicitária Desirée Lourenço, o grupo foca seu esforço em elaborar histórias para o público jovem lésbico. "Lembro que, quando eu comecei a entender a minha sexualidade, fui direto para a internet. E na internet eu encontrava basicamente pornografia, conteúdo muito adulto, com tudo o que não conversava, não tinha a mesma linguagem da menina jovem. E eu percebi que existe uma lacuna ali".


A falta de representatividade também foi o que motivou o escritor independente Leonardo Antan. Mestrando em História da arte pela UERJ e autor das obras "Orgulho de ser rico" e "Cor não tem gênero". “Já que eu não me sentia representado em outros livros, senti o desejo de inserir personagens com outras sexualidades", expõe Antan.


Não por coincidência, outro escritor independente LGBTQIA+ que se viu escrevendo em busca de representatividade, foi Victor Lopes, publicitário e autor do livro "Ele salvou o meu verão". “Nunca tinha escrito nada que não fosse fantasia e, quando me peguei pensando em uma história contemporânea, não consegui fugir do protagonismo LGBTQIA+. Outro motivo foi ver a pouca quantidade de histórias assim que havia no mercado literário nacional".


Cada autor tem suas inspirações, mas o círculo que ele está inserido pode ter influências na criação de seus livros. Principalmente quando a trama inclui um universo vasto com vários perfis de personagens. “Na minha opinião, quando você escreve uma obra você está idealizando um mundo. Quando esse mundo em questão não tem quase nenhuma diversidade, é certamente preocupante”, expõe o leitor e estudante não-binário Spencer Fernandes. “Livros servem para muitas coisas, mas principalmente para contar histórias - quanto mais profunda e diversa, melhor”, conclui.


Apesar da inspiração vir de lugares diferentes, todos passaram pelo hábito da leitura, como conta Ariel F. Hitz, autor de "As cores primárias" publicado pela Editora Caligari e estudante de Design Gráfico. “Acho que começar a ler livros me fez perceber que eu poderia dar vida às coisas que eu tinha só na cabeça. Sempre gostei de inventar universos e personagens".


Ao mesmo tempo que a representatividade aumenta, também cresce a responsabilidade na hora de escrever. Incluir vivências fora do padrão heteronormativo exige um cuidado maior por parte do autor, como explica Victor Lopes. “O mais importante é ter a certeza de que o que se está escrevendo é real e vem de um lugar verdadeiro, que os personagens e o enredo sejam fiéis e façam jus à realidade. Acredito que buscar a naturalidade nessas histórias seja o caminho mais acertado, de forma que quem ler possa se enxergar de verdade no texto, caso contrário vai parecer forçado e corre um grande risco de ser ofensivo".

Saída do lugar comum 


É necessário se atentar aos detalhes para não acabar reforçando alguns estereótipos presentes nessa comunidade. Um exemplo que ilustra esse clichê envolvendo LGBTQIA+ são as obras “Me chame pelo seu nome”, de André Aciman e “Azul é a cor mais quente”, de Julie Maroh. Ambas ganharam adaptações cinematográficas que foram um sucesso de crítica e se envolveram em polêmicas durante suas produções por conta da visão fetichista nos personagens e abusos sofridos no set de filmagem (no caso de “Azul é a cor mais quente”), e claro, por trazerem finais tristes aos casais homoafetivos (que são os protagonistas). O que pode desapontar algumas pessoas da comunidade ao procurar obras com que elas possam se conectar. 


A visibilidade de obras que seguem este padrão faz com que a fórmula seja replicada para atingir resultados semelhantes, o que resulta em enredos com personagens homoafetivos em finais tristes. O leitor e estudante de gastronomia, Gustavo Britto, conta a sua visão das obras que já teve contato. “Em muitas histórias tem o fatídico caso de lgbtfobia que acaba sendo o ponto alto da história. Já são muitas histórias tristes sobre nós por aí e quando lemos, na maioria das vezes, queremos fugir um pouco do que já vemos”. Ele também relata que histórias com personagens LGBTQIA+ o deixam mais estimulado com o hábito da leitura, reforçando a importância da representatividade em obras literárias.


Entretanto, para criar uma história que fuja dos estereótipos ofensivos a comunidade, o trabalho de pesquisa do autor deve ser cauteloso. “Existem diversos profissionais especializados na construção sócio-histórica de cada uma das adversidades que eu deveria abordar com tal personagem. Se ele nascer na minha cabeça, fazendo parte de seja lá qual for a comunidade, eu tenho o dever obrigatório de me aprofundar em todos os quesitos”, conta a autora arromântica do livro "Eu vos declaro, Aro", Aline Santos, sobre seu processo de criação. Ela, como membro da comunidade, reforça que é essencial fazer uma análise sensível para ser responsável com as vivências que ela trabalha em suas histórias. O livro de Aline Santos foi publicado graças a um financiamento coletivo iniciado no Twitter, que teve apoio apoio de seus seguidores, o que pode indicar que a jovem escritora está indo pelo caminho certo em relação à construção de suas personagens.
 

Siglas referentes à comunidade que luta política e socialmente pelos direitos à diversidade e representatividade para com as orientações sexuais e identidades de gênero.

Característica da “arromanticidade”, na qual as pessoas não sentem ou sentem pouca atração romântica. Vale lembrar que um ser arromântico pode ter qualquer orientação sexual, o que não o impede de sentir desejos de se relacionar com outras pessoas.

Relacionado à “heteronormatividade”, é um conceito ou ideologia que  trata a heterossexualidade como se fosse uma norma, isto é, acredita que apenas os relacionamentos entre pessoas de gêneros diferentes são comuns, excluindo relacionamentos entre pessoas de um mesmo gênero.

Trecho da entrevista com Desirée Lourenço.

“Acho que a representatividade é fundamental para aumentarmos a discussão sobre o tema, assim como naturaliza-los. Logo, a literatura, assim como qualquer outro tipo de arte, é fundamental para criar novos mundos possíveis, criando e gerando discussão”, afirma Leonardo Antan sobre a inclusão de personagens que fazem parte dessa minoria.

Recurso positivo


A literatura pode ser primordial para esse processo de normalização e inclusão da comunidade na sociedade e para combater esse preconceito que ainda é presente. “Histórias com representatividades bem feitas podem abrir as portas da comunidade para os leitores, seja para uma auto identificação de quem lê, ou então para o simples reconhecimento de que gays, lésbicas, transexuais etc, são pessoas comuns, com histórias diversas”, conta Mariana Jati, autora bissexual do romance "Flores em Você". “Tenho a certeza de que leitores que têm acesso à histórias assim são pessoas mais empáticas e abertas às diferenças, o que no futuro deve colaborar demais com as lutas da comunidade”, finaliza.

 

“Algumas pessoas crescem com o ódio sendo introduzido em seus peitos pela própria família, que é o primeiro mediador de uma criança com o mundo”, aponta a autora Aline Santos, sobre as pessoas que fazem discurso de ódio contra a comunidade. “Logo, o preconceito é estimulado como se fosse a única maneira de se lidar com aquele assunto. Estimular uma outra visão por meio do mundo artístico tem salvado muitas pessoas de seus ninhos podres".

 

No momento, grandes empresas nacionais como a Companhia das Letras e Universo dos Livros estão investindo em histórias e criando selos para impulsionar a diversidade LGBTQIA+ em seus catálogos, mas não devemos esquecer do papel que as pequenas iniciativas tiveram nos últimos anos, apesar das dificuldades da crise editorial. “As editoras grandes finalmente acordaram e estão atrás de mais autores e obras com diversidade, e as independentes seguem crescendo e publicando bastantes histórias com a ajuda de financiamento coletivo. É lindo ver que tanto o público quanto o mercado tem se aberto mais para essas literaturas”, explica Mariana Jati. 
 

Trecho da entrevista com Desirée Lourenço.

O caminho para um corpo social melhor e sem preconceitos é longo, mas com o surgimento de novos escritores no meio LGBTQIA+ e a sociedade cada vez mais se importando com o peso da representatividade, a perspectiva para o futuro é positiva e, como acredita Victor Lopes, é tudo uma questão de naturalizar as diversas sexualidades existentes. “Quanto mais vermos e ouvirmos falar sobre diversidade de gênero e sexualidade, mais natural isso vai se tornar. Eu acredito de verdade que é possível chegarmos a um ponto em que histórias assim serão tão comuns, que vai refletir diretamente no comportamento da sociedade".

EXTRA

Confira as bandeiras dos nossos entrevistados:

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